202503.04
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ANATEL. A cobrança de FUST sobre o SCI. Ilegalidade.

A ANATEL tem exigido dos provedores de acesso à internet a contribuição ao FUST sobre serviços distintos da comunicação (SCM), querendo fazer incidir o tributo sobre o serviço de conexão à internet (SCI), entre outros.

A cobrança de FUST sobre SCI é inválida, pois não encontra amparo na legislação aplicável, tampouco nas decisões dos tribunais brasileiros.

A análise da Lei Geral de Telecomunicação (LGT) é ponto de partida para a análise das autuações fiscais pela ANATEL.

  1. A Lei 9.472/98 (LGT), ao tratar da Organização dos Serviços de Telecomunicações, prescreve: Art. 60. Serviço de telecomunicações é o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação.
  • 1° Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de

qualquer natureza.

  • 2° Estação de telecomunicações é o conjunto de equipamentos ou aparelhos, dispositivos e demais meios necessários à realização de telecomunicação, seus acessórios e periféricos, e, quando for o caso, as instalações que os abrigam e complementam, inclusive terminais portáteis.

Art. 61. Serviço de valor adicionado é a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações.

  • 1º Serviço de valor adicionado não constitui serviço de telecomunicações, classificando-se seu provedor como usuário do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, com os direitos e deveres inerentes a essa condição.
  • 2° É assegurado aos interessados o uso das redes de serviços de telecomunicações para prestação de serviços de valor adicionado, cabendo à Agência, para assegurar esse direito, regular os condicionamentos, assim como o relacionamento entre aqueles e as prestadoras de serviço de telecomunicações. (Grifou-se)
  1. NORMAS HIERARQUICAMENTE INFERIORES

A Portaria nº 148, de 31 de maio de 1995, que Aprova a Norma nº 004/95 – Uso da Rede Pública de Telecomunicações para acesso à Internet em seu texto, prescreve:

  1. DEFINIÇÕES

(…)


  1. a) Internet: nome genérico que designa o conjunto de redes, os meios de transmissão e comutação, roteadores, equipamentos e protocolos necessários à comunicação entre computadores, bem como o “software” e os dados contidos nestes computadores;
  2. b) Serviço de Valor Adicionado: serviço que acrescenta a uma rede preexistente de um serviço de telecomunicações, meios ou recursos que criam novas utilidades específicas, ou novas atividades produtivas, relacionadas com o acesso, armazenamento , movimentação e recuperação de informações;
  3. c) Serviço de Conexão à Internet (SCI): nome genérico que designa Serviço de Valor Adicionado, que possibilita o acesso à Internet a Usuários e Provedores de Serviços de Informações;
  4. d) Provedor de Serviço de Conexão à Internet (PSCI): entidade que presta o Serviço de Conexão à Internet;
  5. e) Provedor de Serviço de Informações: entidade que possui informações de interesse e as dispõem na Internet, por intermédio do Serviço de Conexão à Internet

Já a Resolução nº 614, de 28 de maio de 2013, Aprova o Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia entre outros, e prescreve:

DAS DEFINIÇÕES

Art. 4º Para os fins deste Regulamento, aplicam-se as seguintes definições:

XVIII – Serviço de Valor Adicionado (SVA): atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações;

A Lei 9.998/2000, que instituiu o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações. Prescreve:

Art. 1º É instituído o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), com as finalidades de  estimular a expansão, o uso e a melhoria da qualidade das redes e dos serviços de telecomunicações, reduzir as desigualdades regionais e estimular o uso e o desenvolvimento de novas tecnologias de conectividade para promoção do desenvolvimento econômico e social. (Redação dada pela Lei nº 14.109, de 2020)

Ao tratar das receitas, referida lei dita:

Art. 6º Constituem receitas do Fundo:

(…)

IV – contribuição de 1% (um por cento) sobre a receita operacional bruta, decorrente de prestação de serviços de telecomunicações nos regimes público e privado, a que se refere o inciso XI do art. 21 da Constituição Federal, excluindo-se o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins); (Redação dada pela Lei nº 13.879, de 2019)

(…)

Parágrafo único. Não haverá a incidência do Fust sobre as transferências feitas de uma prestadora de serviços

de telecomunicações para outra e sobre as quais já tenha havido o recolhimento por parte da prestadora que

emitiu a conta ao usuário, na forma do disposto no art. 10 desta Lei. (Grifou-se)

A ANATEL tem autuado os provedores considerando os seguintes fatos e circunstâncias:

  1. a)com o advento do novo Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia – RSCM, pacificou-se na Anatel o entendimento de que não é obrigatório um PSCI intermediando a relação entre o usuário e a Prestadora do SCM;
  2. b)algumas formas de SVA exigem uma série de equipamentos, programas de computador (hardware e software) e rotinas que não podem ser confundidos com o mero compartilhamento da conexão;
  3. c)ainda que seja possível equiparar o compartilhamento de acesso à Internet às atividades dos provedores de acesso, cabe levar em conta que o Serviço de Conexão a Internet, por si só, não possibilita a emissão, transmissão ou recepção de informações multimídia; …
  4. ILEGALIDADE DA COBRANÇA

Importante começar a análise da ilegalidade da cobrança referindo que sobre os serviços de provedor de internet, por força de súmula do Superior Tribunal de Justiça, não incidem ICMS.

SÚMULA N. 334 O ICMS não incide no serviço dos provedores de acesso à Internet.

A súmula transcrita prescreve peremptoriamente que não incide ICMS na atividade do provedor, pois o serviço por ele prestado é de valor adicionado. E referida súmula não exceptua o serviço de comunicação. Por tal fato, há provedores de internet que questionam judicialmente a incidência de ICMS inclusive sobre o serviço de comunicação multimídia (SCM). Amparo dos tribunais existe, inclusive do STJ, que editou a Súmula 334.

E, o fato de não incidir ICMS, obliquamente afastaria a incidência do FUST, pois o fator gerador é o mesmo: prestação de serviço de comunicação.

Já o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (DF), competente para o julgamento em segundo grau de mandados de segurança contra as autoridades da Anatel, a jurisprudência é uníssona ao excluir os SVAs da base de cálculo da contribuição ao FUST:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO EM MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL. ILEGITIMIDADE DA CONTRIBUIÇÃO AO FUST SOBRE RECEITAS TRANSFERIDAS DE OUTRAS OPERADORAS A TÍTULO DE REMUNERAÇÃO PELA INTERCONEXÃO OU USO DE RECURSOS INTEGRANTES DE SUAS REDES QUE TENHAM SIDO TRIBUTADOS ANTERIORMENTE. 1. O agravo interno da Anatel é manifestamente improcedente, devendo prevalecer a decisão do relator, nos seguintes termos: “É indevida a contribuição ao Fundo de Universalização do Sistema de Telefonia/FUST sobre as receitas transferidas de outras operadoras a título de remuneração pela interconexão ou pelo uso de recursos integrantes de suas redes e que já tenham sido tributados anteriormente quando da emissão da conta ao usuário”. Precedentes da 7ª e 8ª Turmas. 2. Agravo interno da Anatel desprovido.

(AGTAMS 0018695-12.2006.4.01.3400, DESEMBARGADOR FEDERAL NOVELY VILANOVA DA SILVA REIS, TRF1 – OITAVA TURMA, PJe 29/08/2023 PAG.)

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. AÇÃO DE CONHECIMENTO. CONTRIBUIÇÃO PARA O FUST. RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO PELA ANATEL. DESNECESSIDADE DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO COM A UNIÃO. Embargos declaratórios da Anatel/ré 1. Não há litisconsórcio passivo necessário com a União, devendo a ré/Anatel devolver o indébito de contribuição para o Fust. Nos termos do novo Decreto regulamentar 11.004/2022, compete-lhe arrecadar, inscrever em dívida ativa e exigir o crédito (arts. 12 e 13). 2. O acórdão recorrido não é omisso, contraditório nem obscuro. Ficou decidido que “é indevida a contribuição ao Fundo de Universalização do Sistema de Telefonia/FUST sobre as receitas transferidas de outras operadoras a título de remuneração pela interconexão ou pelo uso de recursos integrantes de suas redes e que já tenham sido tributados anteriormente quando da emissão da conta ao usuário, como prevê a Súmula 7/2005 da Anatel. Isso viola o disposto no art. 6º, p. único, da Lei 9.998/2000”. Precedentes da 7ª e da 8ª deste Tribunal. Embargos declaratórios da autora 3. O acórdão deferiu somente a compensação do indébito, mas a autora pode optar pelo recebimento mediante precatório, tal como requerido na petição inicial, nos termos do termos da Súmula 461 do STJ. 4. Embargos declaratórios da autora providos com efeito infringente. Idêntico recurso da ré desprovido.

(EDAC 1010286-44.2017.4.01.3400, DESEMBARGADOR FEDERAL NOVELY VILANOVA DA SILVA REIS, TRF1 – OITAVA TURMA, PJe 12/12/2022 PAG.)

Por fim, em nosso R. Tribunal Regional Federal da 4ª Região (RS), todas as decisões asseguram a exclusão de serviços de valor adicionado da base do cálculo do FUST. Veja-se:

TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CONTRIBUIÇÃO AO FUNDO PARA A UNIVERSALIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES (FUST). 1. O fato gerador da contribuição ao FUST é a prestação de serviços de telecomunicações, conforme previsão do artigo 6º, IV, da Lei nº 9.998/2000. 2. Considerando que o objeto social da embargante é provimento de acesso à internet e que não há informações a respeito de exploração de Serviço de Comunicação Multimídia (SCM), não se verifica a realização do fato gerador do FUST. (TRF4, AC 5009016-76.2017.4.04.7200, PRIMEIRA TURMA, Relator ANDREI PITTEN VELLOSO, juntado aos autos em 21/06/2024) (Grifou-se)

TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. FATO GERADOR. CONTRIBUIÇÃO AO FUST. LEI 9.998/00. ART. 6º, IV. A prestadora de serviços de monitoramento de alarmes não se sujeita à contribuição ao FUST.   (TRF4, AC 5020590-47.2018.4.04.7108, PRIMEIRA TURMA, Relator ALEXANDRE ROSSATO DA SILVA ÁVILA, juntado aos autos em 07/12/2023)

EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. FUST. BASE DE CÁLCULO. COMPROVAÇÃO DE TRANSAÇÕES ENTRE PRESTADORAS DE SERVIÇOS (RECEITAS DE INTERCONEXÃO OU TRANSFERÊNCIAS). INEXISTÊNCIA. 1. A prestação de serviços de telecomunicações, prevista no artigo 60 da Lei nº 9.472/1997, constitui o fato gerador da contribuição ao FUST. 2. A contribuição ao FUST tem como fato gerador a prestação de serviços de telecomunicações, compreendida como o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação, não incidindo sobre as transferências feitas de uma prestadora de serviços de telecomunicações para outra e sobre as quais já tenha havido o recolhimento por parte da prestadora que emitiu a conta ao usuário, na forma do disposto no art. 10 da Lei nº 9.998/2000. 3. A autuação administrativa goza de presunção de higidez, certeza e exigibilidade, sendo indispensável demonstrar documentalmente a incorreção da cobrança. (TRF4, AC 5051128-44.2018.4.04.7000, PRIMEIRA TURMA, Relatora LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH, juntado aos autos em 27/09/2023) (Grifou-se)

EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. CONTRIBUIÇÃO AO FUST. RECEITAS DE LOCAÇÃO. As receitas advindas de locação, ainda que de bens destinados à prestação de serviços de telecomunicação, não são tributáveis pela contribuição ao FUST. (TRF4, AC 5031979-14.2022.4.04.7100, SEGUNDA TURMA, Relator ROBERTO FERNANDES JÚNIOR, juntado aos autos em 20/06/2023) (Grifou-se)

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim, com base na lei e na jurisprudência consolidada, ilegal e inválida a incidência de FUST sobre o SCI.

Sendo o provedor autuado pela ANATEL deve buscar proteção no Poder Judiciário para livrar-se da cobrança.

Autoria:

Sandro Negrello

OAB/RS 47.605

negrello@negrello.adv.br

47.99916.1693

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